Nunca encontrei ninguém completamente incapaz de aprender a desenhar.

John Ruskin, intelectual inglês do século XIX


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terça-feira, 4 de maio de 2010

Irish Postcards - vol. 02

Bem-vindos a Kilmainham Gaol. Construida em 1796 sob os auspícios do Iluminismo, esta prisão veio a conhecer dias tenebrosos durante o período da Grande Fome (1845-1852) – onde crianças de sete anos chegaram a ser encarceradas lado a lado com homens e mulheres adultos por delitos menores como roubo de comida - e a Sublevação da Páscoa de 1916 onde foram executados os líderes do movimento que tomou de assalto o General Post Office e manteve Dublin a ferro e fogo durante sete dias. Passar pelo exíguo portão de Kilmainham Gaol frequentemente significava duas coisas – execução ou mais comummente deportação para colónias penais no Ultramar Britânico como Botany Bay na Austrália. Excusado será dizer que um bilhete de viagem para terras Austrais resultava muitas vezes na morte dos prisioneiros antes de aportar. Fechada como prisão após a independência da Irlanda em 1924, é hoje um testemunho de episódios marcantes da História recente Irlandesa. E o portão resiste, com a sua iconografia pouco subtil – cinco serpentes, uma das quais alada em posição central, agrilhoadas.
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Em Dublin não há falta de corvídeos. Tem Lisboa por ave municipal o Corvo, mas tirando os Gaios que se vêem nas maiores manchas florestais Alfacinhas, pouco mais se vê, tirando a ocasional Gralha-preta. Que por sinal não ocorre na Irlanda, sendo substituída pela Gralha-cinzenta. Num casual passeio em Dublin é fácil deparar com Gralhas-de-nuca-cinzenta, Gralhas-calvas, Gralhas-cinzentas e Pêgas-rabudas. A estas se juntam Gaios, Corvos e Gralhas-de-bico-vermelho (estas duas últimas não ocorrem na capital Irlandesa), compondo assim o ramalhete de corvídeos da Ilha Esmeralda.

Entrada de Kilmainham Gaol com representação do Diabo e quatro serpentes acorrentadas, e Gralha-cinzenta (Corvus cornix), National Museum of Ireland – Natural History

Escondida atrás da Catedral de St. Patrick situa-se a Marsh's Library. Fundada em 1701, foi a primeira Biblioteca Pública da Irlanda, tendo mantido as suas portas abertas durante mais de três séculos até aos dias que correm. Conta com mais de 25.000 volumes, que datam sobretudo do século XVI, XVII e XVIII, bem como a disposição e traçado originais da biblioteca, incluindo três gaiolas onde eram encarcerados os leitores com os volumes mais preciosos da colecção durante a sua consulta. Esta biblioteca faz regularmente exposições de gravuras dos seus livros antigos, figurando actualmente a exposição “Beware the Jabberwock!” - bestiário ilustrado que faz as delícias do apreciador de gravura e bizarrias medievais. O acesso à biblioteca faz-se por um discreto portão, sendo necessário tocar à campaínha para entrar. O que convenhamos, confere ainda mais graça à visita.

Parte de gravura de “Prodigorum ac ostentorum chronicon” de Conrad Lycosthenes, 1557, sobre monstros marinhos, Marsh's Library, e Cortiçol de Pallas, dois exemplares abatidos na Irlanda no século XIX, National Museum of Ireland – Natural History.

Em 1888 registou-se uma irrupção de Cortiçóis de Pallas (Syrrhaptes paradoxus) um pouco por toda a Europa. O que fez (e ocasionalmente ainda faz) com que esta espécie abandonasse em números assinaláveis as estepes Asiáticas e percorresse o caminho até ao extremo Ocidental da Europa – sendo observada nesse ano em diversos países Europeus - é desconhecido, mas é um fenómeno registado várias vezes. Até quando se registrarão episódios como este não se sabe, à medida que vai faltando habitat favorável tanto lá como cá. Nesta irrupção em particular as aves chegaram a nidificar na Europa – no que podemos especular e considerar um mecanismo de colonização passível de posterior especiação. Talvez D. Carlos I, tenha feito o gosto ao dedo sobre estas aves, conhecido que era o seu gosto por caça, fosse menor ou maior. Seja como for, o National Museum of Ireland – Natural History, que como tantos outros museus de História Natural parados no tempo se vê confrontado com a escolha de preservar a musealização antiga ou de se modernizar tornando-se mais apelativo ao público actual, possui nas suas colecções dois exemplares desta espécie de ave, bem como um exemplar de Maçarico Esquimó (Numenius borealis), espécie infelizmente considerada extinta na actualidade.

6 comentários:

hfm disse...

Belíssimo texto e imagem - como de costume!

Mário Linhares disse...

Tudo muito... épico!

tacci disse...

Muito interessante. Só é pena não se poder aumentar os desenhos para os ver melhor.

PeF disse...

hfm: muito obrigado pelo comentário

Mário Linhares: sempre!

tacci: nao sei o que se passa, creio ser do formato GIF. Assim que possa tentarei substituir as imagens por outras, a ver se fica solucionado o problema

Cate disse...

Manda mais postais! Dá gosto de ler e de ver! Bjs

PeF disse...

Cate: um verdadeiro apelo ao 'continua a mandar postais'! Talvez mais um ou outro, que o tempo vai escasseando.