Nunca encontrei ninguém completamente incapaz de aprender a desenhar.

John Ruskin, intelectual inglês do século XIX


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domingo, 30 de janeiro de 2011

Irish Postcards - vol. 03

Entre 362 e 175 anos a.C., na fronteira dos reinos de Tuath Cruacháin e Tuath na Cille, um corpo foi arremessado para uma turfeira. Ou o que sobrava dele.

Conhecido como o Homem de Oldcroghan (Oldcroghan Man), foi descoberto em Maio de 2003 durante a abertura de um canal de drenagem no condado de Offaly, República da Irlanda. Sabe-se que terá morrido com cerca de 25 anos. Sabe-se também que teria cerca de 1,90m. Dizem-nos as suas mãos pouco marcadas que terá sido poupado a grandes esforços físicos. Dizem-nos as suas unhas que terá subsistido durante os seus últimos quatro meses de vida com uma dieta à base de carne. E - dizem-nos os conteúdos estomacais - terá tido uma última refeição de cereais e manteiga.

Na Irlanda da Idade do Ferro, os sacrifícios humanos eram parte importante das culturas locais. Frequentemente associados a consagrações régias, simbolizavam o vínculo do novo rei com as divindades veneradas. Eram depositadas ao longo das fronteiras do reino oferendas como armas, alfaias agrícolas ou mesmo alimentos. Mas não só.

Homem de Oldcroghan (362-175 a.C.) - National Museum of Ireland - Archaeology

O Homem de Oldcroghan morreu trespassado no peito - não sem antes ter sido atingido num braço enquanto se tentava proteger. O seu corpo foi decapitado, o tronco separado do abdómen e os mamilos decepados. Sugar os mamilos mutilados de um rei era um ritual de submissão corrente à época - talvez o Homem de Oldcraghan fosse um rival, deste modo humilhado e marcado como indigno de reinar. Ou talvez apenas a pessoa errada no local errado na altura errada. Uma vez morto, os braços foram trespassados por cordas - talvez para prender lastro e manter o corpo no fundo da turfeira, talvez como marca tabu - e deixado na fronteira dos dois reinos vizinhos.

Repousou mais de dois mil anos na turfeira, onde as condições ácidas e a ausência de oxigénio permitiram uma preservação magnífica do Homem de Oldcroghan. As mãos conservam as impressões digitais. As entranhas, vestígios da última refeição. E o seu corpo mutilado revela-nos mais uma faceta de uma cultura que tinha tanto de rica como de cruel.

3 comentários:

Galeota disse...

Se não fosse o pH...

hfm disse...

Como sempre desenho e texto - um complemento indispensável.

PeF disse...

Galeota: é bem verdade. É estranho, a textura da pele parece couro e ainda assim tanto ficou preservado.

hfm: absolutamente de acordo.