Nunca encontrei ninguém completamente incapaz de aprender a desenhar.

John Ruskin, intelectual inglês do século XIX


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quarta-feira, 20 de março de 2013

Desenhar nas "Estilas", Serra de Monchique


Passamos grande parte do ano em Monchique (Carlos Abafa e Ana Rosário Nunes) o que nos tem permitido assistir a toda a vivência da produção artesanal de aguardente de medronho. Este é um dos locais onde funciona uma destilaria, na gíria local "estila".

Este ano partilhámos essa experiência com outros desenhadores. "Desenhar nas estilas" aconteceu no fim-de-semana de 9 e 10 de Março. Entre outros amigos, foi um prazer partilhar olhares, petiscos e traços com Luís Ançã e Pedro Cabral. Esta é a primeira publicação que fazemos nos USk com o que registámos desse dia. (Carlos Abafa caderno de argolas, Ana Rosário Nunes caderno cosido).



Tradicionalmente uma "estila" tinha sempre momentos de convívio. Destilar era um processo moroso e solitário, dado que se fazia em contínuo, noite e dia, mantendo sempre o lume aceso na fornalha. Assim, ir fazer um pouco de companhia a quem estava a destilar era uma questão de solidariedade…



E um petisco era sempre bem-vindo! Como estes enchidos tradicionais de Monchique: os "molhos" (recheados de arroz) e a "morcela de farinha" (nada tendo a ver com a farinheira, esta é muito escura, usa farinha de milho e é feita em sacos de pano).



Os novos contentores de plástico azul convivem com as velhas dornas. Em ambas o medronho colhido no Outono fermentou durante vários meses, formando a "massa" que irá agora ser destilada.



Entre bidons de medronho em fim de fermentação, o Pedro Cabral aninha-se a desenhar. Ao fundo brilha o cobre do enorme "cácero" que, de oito em oito horas, servirá para encher de novo o alambique com "massa" fermentada.




Na destilaria da Pedra Branca, na manhã fria e chuvosa, o calor da fornalha aquece a massa, enquanto o Luís Ançã desenha. A "cabeça" do alambique, como um estranho pássaro de cobre, mergulha o seu bico no tanque de água fria, arrefecendo o metal nessa travessia e provocando, assim, a condensação dos vapores. Do outro lado do tanque, com a lentidão dos processos ancestrais, escorre a aguardente cristalina.




Numa prateleira junto à bica de saída da aguardente, os instrumentos de aferição aguardam. Um pouco de aguardente será recolhida num copo feito com um troço de cana e nele será introduzido o "termómetro" para medir a graduação.



Na destilaria do Monte da Lameira assistimos ao ritual do fim e início de uma nova "caldeirada". É o momento em que melhor se entende o funcionamento do alambique. Enquanto no outro extremo da adega o enorme "cácero" recolhe do fundo da dorna a massa de medronho fermentado que irá encher a caldeira, a "cabeça" repousa invertida antes de ser cuidadosamente reposicionada e calafetada. A caldeira — o ventre esférico do alambique — também ela de cobre, pode agora ser observada por dentro durante as operações de limpeza que a preparam para receber nova "massa".



De novo a espera, com um controle discreto mas eficaz do destilador. O manso pingar da aguardente, com um fascínio semelhante ao do crepitar do fogo…

7 comentários:

Pedro disse...

Além do mais o texto é muito bonito.
Obrigado pelo fim de semana.

Maria Celeste disse...

...e que maravilhosos aromas esta destilação descontinua deve produzir...
...e de forma sábiamente lenta,para que o convívio e o desenho sejam bons...

Ana Barbosa disse...

Bela reportagem!

hfm disse...

Tive imensa pena não poder ter ido e, vendo os desenhos, a pena duplicou. Belos registos.

Rosário disse...

Belos registos (desenho e texto)!

João Nunes da Silva disse...

Magníficos desenhos e uma bela reportagem! Até me deu vontade de conhecer os locais.

Luís Ançã disse...

Um óptimo texto e muito elucidativo elucidativo de todo o processo. Com desenhos em conformidade.
Um excelente encontro, a todos os níveis. Obrigado Ana e Carlos.