Excerto do meu texto em Diários de Viagem 2: Desenhadores-viajantes
"Desde cedo que,
no meu imaginário, a viagem está associada ao desenho, graças a leituras
repetidas das edições antigas dos álbuns do Corto Maltese do meu pai. Quando
começaram a sair as edições modernas com belas aguarelas no início, do
romântico soldado da fortuna em exóticos ambientes, ainda mais ainda se
acentuou a minha vontade de viajar e deixar em linha e cor aquilo que vou
vendo, saboreando, cheirando, ouvindo e sentindo, as pessoas que vou
conhecendo, ou que não conheço, mas que por alguma razão fizeram a caneta
riscar o papel de mais uma página de um diário gráfico.
Viajar e desenhar
são duas das minhas actividades favoritas. A primeira, alimentada pelo mistério
do desconhecido e pela curiosidade que o
outro desperta, impele-me a caminhar
pelo globo fora, encontrando familiaridades e singularidades, os diferentes
lugares e os diferentes aspectos da existência humana, que me ajudam a construir
uma imagem, ou uma ideia do que diabo andamos por cá a fazer.
A segunda trata
de registar em traço e em cor aquilo que sinto relativamente ao que vou
conhecendo na viagem. O desenho é um interface com o mundo exterior e aquilo
que resulta de destilar o eu e o outro juntos. Talvez o segundo seja a
resposta à pergunta do primeiro: procurar o modo de nos fundirmos com o mundo.
Uma viagem de
alguns dias à Polónia não parece ligar com as buscas esoterico-românticas do
marinheiro, certamente não é a chave para os segredos da experiência humana e a
união espiritual através do desenho, mas creio que até nas viagens mais curtas
ou nos lugares menos exóticos o desenho serve esse propósito de interpretar e
acrescentar bocadinhos de sabedoria à colecção de singularidades que nos torna
únicos.
Adiante, para
assuntos mais prosaicos: O desenho em viagem é um óptimo modo de preencher 3
horas de viagem de comboio. É um melhor desbloqueador de conversa que wódka. É
uma excelente câmara de longa exposição, captando muitas coisas que acontecem
em paralelo ou em sucessão no mesmo local com maior clareza que a máquina
fotográfica (ou o telemóvel)."
8 comentários:
...abaixo o «instantâneo» e viva a observação, interessada ,prolongada e vivida que vai sendo concretizada em linha e mancha...
...e também um belo texto...
Apoiado (o que diz a Celeste!)!
Adoro o traço e a técnica de aguarela que já caracteriza os teus desenhos!
Espero que, de onde estes vieram, haja muitos muitos mais!
Que bom texto, revejo-me alí numa frase em particular " procurar o modo de nos fundirmos com o mundo." Os teus desenhos são fantásticos com um traço tão característico, tanto que te reconheci pelos teus desenhos das pessoas :)
Depois de ver/ler este post fiquei com vontade de desenhar, de escrever e de viajar até ao primeiro mar salgado que me aparecer pela frente.
Soberbos! Texto e desenhos.
Óptimos.
Falta-me a assinatura no livro.
Obrigado a todos e um grande abraço!
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