Nunca encontrei ninguém completamente incapaz de aprender a desenhar.

John Ruskin, intelectual inglês do século XIX


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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Roupas felizes

A cachaça Engenho do Ouro é produzida artesanalmente em plena mata atlântica, um local verdejante e inspirador a cerca de 8 km de Paraty. Fomos de ônibus desde o largo do chafariz em direcção à Estrada Real, construída por escravos entre os séculos XVII e XIX e que hoje é também denominada por Caminho do Ouro, ligando Paraty a Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
Foi o local do meu primeiro workshop do simpósio, com a italiana Simonetta Capecchi e sob o tema "The sketched reportage". Fomos recebidos pelo simpático Adriano, o responsável pela produção, e que ali trabalha desde 2010. A ideia era desenhar o processo de produção da cachaça, desde a trituração e moagem da cana do açúcar, extraindo um suco verde chamado de caldo (e que provámos acabadinho de extrair, absolutamente delicioso), que segue para as dornas de fermentação e é destilado depois no alambique, obtendo o delicioso néctar. Acho que desenhei tudo o que queria, incluindo um pequeno banco de madeira muito velho e desengonçado, meio escondido por entre os barris que envelheciam a cachaça, e que me fez lembrar um que o meu avô carpinteiro construiu e que ainda hoje existe. Estava a começar o desenho quando a Jessie Chapman, uma simpática americana que faz parte do comité dos USK, se atravessou na minha frente e se decidiu a sentar no banco. Olhou para ele com medo, achei que percebesse que não era seguro. Esperei que desistisse e me deixasse acabar o desenho. Não desistiu, e acabou por sentar-se para desenhar o alambique, ou outra coisa qualquer. Não acabei o meu desenho.
Encostado ao balcão, e enquanto chovia torrencialmente, decidimos perguntar ao Adriano se podíamos provar as diferentes cachaças produzidas, seis no total. Provei três delas, a prata, a carvalho, e finalmente a Gabriela, baptizada assim depois de o filme com o mesmo nome ter sido rodado em Paraty. Gostei de todas, mas disse ao Adriano que não poderia levar uma garrafa comigo porque não tinha bagagem de porão, e na cabine nunca deixariam levar. Contei-lhe que à treze anos atrás regressava do Brasil com uma garrafa de cachaça pelo meio das roupas na mala de porão, que se partiu durante a viagem estragando tudo. Disse-me o Adriano divertido:
"Estragando tudo? As roupas ficaram foi felizes..."
Rimos que nem uns perdidos. Olhei para o lado e vi o banco de madeira sozinho. Bebi o último golo de cachaça e acabei finalmente o desenho.
 



 
Podem ver mais desenhos e estórias de Paraty AQUI

12 comentários:

hfm disse...

Gosto das histórias que se escondem nos desenhos.

Maria Celeste disse...


...e como se desenha nos trópicos...
...até banquinhos de madeira...

Suzana disse...

gostei da reportagem :)

Henrique Vogado disse...

Uma delícia de reportagem com as estórias e o desenho com a qualidade das melhores cachaças.
Há uns anos, na volta da viagem de finalistas de Cuba, um colega meu também ficou com a roupa "feliz" mas com uma garrafa de rum.

Eduardo Salavisa disse...

Quando é que vemos essa reportagem?

nelson paciencia disse...

Quando quiserem!

Alexandra Baptista disse...

Muito bom!!

zeta disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zeta disse...

Confesso que ainda não acabei de ler toda "estória", mas irei fazê-lo. Uma grande reportagem, cheia de cor e de vida. Até fez-me recordar a música de há muito tempo "Vc pensa que a cachaça é água?".Da música será cantada ao vivo pelo autor desta descrição.

Rosário disse...

Gosto de ver as tuas histórias de Paraty neste blog!

Rosário disse...

Gosto de ver as tuas histórias de Paraty neste blog!

Cesar disse...

Bela reportagem, Nelson!