Na sequência da petição para sensibilizar direcções de museus para a possibilidade de desnhar no interior dos mesmos, escrevi à Rita Caré (que me incentivou a partilhar aqui) o seguinte.
Corria o Verão de 2010 e eu andava a desenhar na zona do Castelo,
em Lisboa. No horizonte estava a publicação do livro da Quimera sobre
diários gráficos em Lisboa, e a mim tinha-me calhado em sortes o
percurso entre Benfica e o Castelo. Pensei que valeria a pena dar um
salto ao Museu do Teatro Romano, ali ao pé da Sé, numa piscadela de olho
ao período Romano de Lisboa. E lá fui.
Já tinha ido ao referido museu anteriormente, e sabia ao que ia. Entrei e fui direito a uma escultura de um tronco humano reclinado, e pus-me a desenhar. Passado pouco tempo, sou interpelado pela funcionária que estava à entrada do museu, perguntando-me o que estava a fazer. Eu disse que estava a desenhar e ela informou-me que não o podia fazer. Eu contra-argumentei, e pedi para falar com a directora. O diálogo seguinte tomou laivos de surrealidade, quando a funcionária regressa com um telefone na mão e a directora em linha. Informei a directora de que já tinha desenhado em muitos museus em vários países e nunca antes me fora vedado o acesso ao desenho. "Teve muita sorte", disse-me a directora, dizendo que eu necessitaria de uma autorização para desenhar ali. Perguntei-lhe se me a podia dar por telefone, mas não, não podia, tinha de ser por escrito. Fui-me embora. E o Museu do Teatro Romano, que poderia ser divulgado gratuitamente no livro da Quimera, ficou de fora do mesmo.
E assim foi. Já tive funcionários de museus trazerem-me cadeiras para desenhar (Alemanha e Nepal). Já tive inclusive uma equipa de televisão da filmar enquanto desenhava num museu (Croácia). Luzes acendidas para que melhor pudesse ver (Irlanda). Geralmente ficam-se pelos sorrisos. Desenhei em museus na Turquia, em Omã, na França, Nepal, Alemanha, Irlanda, Espanha, Croácia, Estados Unidos da América. E aqui vem a parte Luso-fatalista, mas que neste meu caso é a mais pura das verdades— só neste país (é que se diz só neste país, canta o Godinho) é que me foi vedada a possibilidade de desenhar num museu.
13 comentários:
Obrigada pela partilha Pedro!
No Domingo passado, depois de nos "manifestarmos" serenamente junto do Museu Anjos Teixeira fomos para o Museu de História Natural de Sintra onde as funcionárias disponibilizaram bancos, não se importaram que nos sentássemos no chão e deliciaram-se a ver-nos desenhar. Aliás pela minha experiência na maioria das vezes não existe proibição alguma, mas infelizmente temos conhecimento de diversas proibições do género...
Todos podem assinar esta Carta aberta "Da proibição de desenhar em museus" através deste link:
http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=desenharemmuseus-pt
Fico com a ideia que alguns museus não estão preparados para serem vistos. Permanecem como ilhas isoladas. Associam tudo o que é fotografia, filme ou desenho?
Qual o argumento que apresentam?
Se eu comprar o catálogo de uma exposição e desenhar a partir de uma fotografia, estarei a saltar a proibição?
Há imagem melhor que ver pessoas a desenhar uma peça, a admirá-la e cumprir um dos objectivos dos museus? Há que mudar mentalidades.
Obrigada pelo teu relato intenso em experiência e expressão, Pedro. De facto, o Sérgio Godinho acerta em cheio na sua observação da realidade portuguesa (mesmo sem saber destes episódios) e isto " anda tudo ligado".
Um abraço do Seixal!
Ganda Pef. Só neste país, mas vamos assinar. "Todos ao Rossio!"
Antes de mais, um abraço a todos.
Zé Louro, pegando nas palavras de outros músicos, vão sem mim que eu vou lá ter. É que estou fora da tal zona de conforto, como dizia o outro. Mas a petição está assinada, ao menos isso.
Pef, obrigada por esta partilha, já tinha saudades de ver os teus desenhos e de te ler, gostaria era de o fazer por um motivo diferente mas... só neste país.
Haha! Também me foi vedado desenhar no Museu Arqueológico de Istambul, mas no grupo, fui um caso isolado.
Parece-me muitas vezes autoridade aleatória e talvez algum software reminisciente do Estado Novo.
Estou convosco! Abraço!
"Teve muita sorte" não posso acreditar. Até parece que quando desenhamos estamos a cometer um crime e "temos muita sorte" de não ser apanhados. Haja paciência!!
O culto do isolamento como forma de garantir a sobrevivência dos Museus, e não só, continua a existir apesar de estarmos em 2014. Pobres e tristes cabeças que pensam desta forma para garantirem a sua (única) subsistência.
Considero um total absurdo não se poder desenhar em museus ou ter de pedir autorizações para o poder fazer. Nunca me aconteceu e até surgir esta situação que levou ao protesto, tal coisa nem me tinha passado pela cabeça. Eu já desenhei em vários museus, incentivo a minha filha de 6 anos e os meus alunos a fazerem-no também. Espero que as mentalidades mudem!! Obrigada pela partilha!
Os teus desenhos são fantásticos, a tua caligrafia maravilhosa e a junção dos dois, o máximo!
Se for necessário mais proibições estúpidas para voltarmos a ter aqui as publicações do Sr PeF será apenas um mal menor...
Obrigado por partilhares esta história. Não costumo desenhar em museus pelo motivo simples de haver sempre pouca luz... tenho dificuldade em desenhar nessas condições. Mas já assinei a petição e estou 100% de acordo que não devia haver proíbição de desenhar em museus visto que não estamos a fazer uma cópia, mas sim a representar o que vemos... Não tem nada haver com a flashes de máquinas fotográficas...
O teu desenho está fantástico! parabéns...
Obrigado a todos. Das primeiras vezes que saí do país (não contabilizando passagens trans-fronteiriças na senda do caramelo), foi numa viagem em Paris. Meti-me na carreira e lá fui eu. Lembro-me de uma das coisas que mais me impressionou nos museus foi a presença de pessoas a desenhar. E às vezes em família. Eu, deslumbrado com este meu primeiro contacto com 'o exterior', achei aquilo o pináculo da civilização— desenhar em museus. É uma imagem que ainda hoje me acompanha.
Pedro Loureiro: Pronto, só neste país— e na Turquia. Com tal equiparação, aguardemos então para breve o bloqueio de redes sociais e eventuais mortes relacionadas com violência policia. Espero sinceramente que não.
J.Espadaneira: Tenho achado poucos motivos de interesse em partilhar o que tenho feito. E um bocadinho preguiçoso também. Alturas da vida menos dadas a isto. Mas ando por aí, de caderninho no bolso. Assim haja motivo para um post, e volto à carga.
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