Nunca encontrei ninguém completamente incapaz de aprender a desenhar.

John Ruskin, intelectual inglês do século XIX


Pensamos que o Diário Gráfico melhora a nossa observação, faz-nos desenhar mais e o compromisso de colaborar num blogue ainda mais acentua esse facto. A única condição para colaborar neste blogue é usar como suporte um caderno, bloco ou objecto semelhante: o Diário Gráfico.


Neste blogue só se publicam desenhos feitos de observação e no sítio

sábado, 30 de outubro de 2010

A Romã


No outro dia entre passeatas pelo Pulo do Lobo, alí ao pé de Mértola, fui desafiado para ir à caça de romãs. Os arbustos estavam carregados mas os pássaros já lá tinham chegado primeiro. As copas estavam cheias de romãs semi-devoradas, pareciam pequenas tocas à espera de inquilinos. Colhi uma já a pensar no caderno de campo e, antes que apodrecesse ainda mais, decidi utilizá-la para o desafio desta semana. Comecei por um contorno muito leve, em mina de cor azul, só para encontrar a forma geral e proporções.


Depois intensifiquei o contorno com grafite 2B, defini a área interna cobiçada pelos pássaros, e adicionei algumas linhas de sombreado para melhor perceber os volumes e preparar a peça para a adição da cor.


Dei umas primeiras aguadas muito diluidas, nos tons base alaranjados e rosados. Isto ajudou-me a definir os padrões de cor da superfície exterior e também a perceber a melhor maneira de diferenciar a luz dentro e fora da romã.


Mais camadas de aguarela (o secador de cabelo é um bom amigo nos dias húmidos e chuvosos). Continuei a definir os volumes, luz interna e externa e, principalmente, a descobrir os verdes, azuis, amarelos e rosas, para além daquilo que, à primeira vista, pareciam ser apenas variações de carmim, laranja e castanhos.


Nesta altura comecei a sentir necessidade criar contraste entre aquilo que era a superfície externa do fruto e aquilo que era o buraco dentro do fruto. Também era preciso conferir um pouco mais e volume, contrastando igualmente as zonas iluminadas, as em sombra e as de luz reflectida. Isto foi feito com a ajuda de mais umas camadas de aguarela, linhas em grafite 4B e canetas de tinta preta Micron, da Pigma.


Nesta altura olhei para o esboço, depois para a romã, voltei ao esboço, novamente romã e descobri que faltava dar-lhe um pouco mais de vida. Adicionei alguns toques de branco para representar os brilhos da polpa decomposta e já liquefeita (com algumas moscas muito pequeninas que não paravam de me bater na cara). Isto foi feito com uma Gelly Roll branca. aproveitei para rectificar a luz geral e criar um pouco mais de interesse na textura da superfície da romã, com uns toques da Pigma e aguarela. Com a última decidi criar um fundo muito suave só para destacar um pouco mais a romã.


Finalmente rectifiquei a luta de "protagonismo" entre o interior da romã e a sua superfície externa, com uns toques de lápis-de-cor. Para terminar, voltei ao início e utilizei outra vez a mina azul com que tinha esboçado os primeiros contornos e finalizei o fundo. Desculpem se foi seca, mas deu-me tanto gozo fazer esta romã (apesar do cheiro a podre) que decidi partilhar o máximo possível das opções e materiais que usei.

9 comentários:

matilde disse...

Está tão real que se pode imaginar o cheiro...

laloran disse...

Bem!!
Incrível a forma como descreves todo o processo. Dá logo vontade de ir experimentar fazer o mesmo.

A evolução do desenho também é deliciosa!

Maria disse...

Isto é um Tratado Académico!
Que belo trabalho :-)

hfm disse...

Obrigada pela partilha!

Mário Linhares disse...

Olá Filipe

Realmente tinhas razão quando me disseste que a romã que tinhas lá em casa encaixava na perfeição neste challenge.

Parabéns! Fabuloso contributo!

Anónimo disse...

Boa! Obrigado pelos comentários. Confesso que estava com receio de ter sido excessivo na descrição. Ainda bem que não.

Luís Ançã disse...

A descrição quando concisa e descritiva do processo nunca é excessiva, mas elucidativa do modus operandi do artista. E este desafio a isso se presta. Acho muito interessante ler as imagens com um relato do autor, o outro lado da representação.

velhadaldeia disse...

Metódico, como sempre!
Belos truques e belo resultado.

Anónimo disse...

Magnífico, Filipe. Magnífico. Uma romã podre esmiuçada até ao limite :)

Abraços

xico