Nas Selvagens os dias decorriam com uma cadência própria. Por dia havia uma, duas ou mesmo três subidas ao Planalto Central para recolher dados. A prioridade não era nem de longe nem de perto o desenho. O que não quer dizer que este não tenha acontecido, mesmo quando o corpo se inclinava mais para uma retemperadora sesta (por vezes levou a melhor). Eram as Selvagens, afinal de contas.
Levei comigo vários diários gráficos, que usava consoante a ocasião - mais tempo para desenhar, menos tempo para desenhar. É deste último que saem as imagens para esta entrada. De dois pequenos cadernos que amarfanhados num bolso das calças andaram comigo de joelhos procurando pintos de Cagarras, levantando pedras em busca de Osgas-das-Selvagens, percorrendo o solo coberto de conchas no Chão dos Caramujos, espreitando a gruta do Capitão Kidd.
Phoenicurus phoenicurus e Pelagodroma marina - o primeiro numa pausa merecida na árdua migração trans-Sahariana, o segundo numa visita nocturna surpresa ao alpendre da casa, onde foi desenhado. No topo, o Pico da Atalaia e os muros do Planalto Central
Desenhos feitos sem tempo, notas rápidas inacabadas, entre manipulação de animais (mas dando sempre primazia ao bem estar e rapidez de processamento dos mesmos). Apontamentos na falésia, no alpendre, nas poças. Esboços feitos às escuras e às pressas, apenas com a luz do frontal e a mão esquerda segurando a ave enquanto equilibrava o caderno no joelho.
Estas notas de campo raramente têm valor estético. São registos por vezes toscos de um processo de familiarização com espécies que dificilmente me surgem à frente. São notas de pormenores difíceis de ver de outro modo e recados para mim mesmo. E são também colheitas de referências para eventuais projectos futuros. Porque nunca se sabe quando haverá necessidade de desenhar uma Osga-das-Selvagens.
12 comentários:
adorei percorrer estas imagens e ver a maneira de como o desenho parte dos bocados ao inves do todo, muito interessante e os esboços magnificos!
Muito interessantes, bem documentados e sempre bem desenhados.
Belíssimo! os desenhos e, sobretudo, os comentários - parece que estamos a ver um filme.
A experiência de cada desenhador em cada circunstância é fascinante de ouvir (neste caso de ler) e de ver os resultados. Boa Pef.
Gosto muito.Apontamentos e desenhos muito bonitos. Imediatamente me lembro dos cadernos de campo do Prof.Orlando Ribeiro,do Prof.Manuel Viegas Guerreiro e os desenhos feitos no quadro da Prof.Suzanne Daveau.
Muito bom! Deixas-me a salivar de inveja.
Percebi bem? “Desenhos feitos sem tempo”? “Registos por vezes toscos”? “Notas de campo sem valor estético”? “Esboços feitos às escuras e às pressas”? Pois, pois... se nessas circunstâncias o resultado é este, até tenho vergonha de postar aqui os meus rabiscos.
Estes é que são os verdadeiros cadernos de campo! Feitos no campo, sem tempo e sem horas! Muito bonito!
Muito obrigado a todos pelos simpáticos comentários.
Isabel: Estes diários são quase que um talho, asa para aqui, pata para ali. É um misto de o que dá para captar com o que quero captar e de outro modo não captaria.
Luis Ançã: Fiquei um pouco na dúvida se deveria continuar a série - uma vez que isto de Urban tem pouco - mas como a mesma já vinha do Colectivo Diários Gráficos resolvi escrever e colocar aqui mais um capítulo.
HFM: Não foi me tinha ocorrido, mas gostei muito da comparação.
Eduardo Salavisa: Totalmente de acordo - pessoalmente gosto de ver imagens acompanhadas com um pouco de texto.
Galeota: Vi alguns desenhos do Orlando Ribeiro há uns anos, tinha coisas muito bonitas e elegantes sobre geomorfologia. É demasiado lisonjeira a comparação - ainda assim muito obrigado.
Fuzhong!: Ora cá temos mais uma manifestação do síndrome da galinha-da-minha-vizinha (mencionado por Tacci citando Pedro Cabral citando Eduardo Côrte-Real) - por esta altura estavas tu muito bem servido, desenhando mobelhas em lagos Escandinavos.
JASG: A variedade de rabiscos, registos e olhares - meus, teus e de todos os que participam - são o que torna este blog tão interessante, pelo que me parece um pouco despropositada a comparação, ainda que lida como um elogio que sinceramente agradeço. O que escrevi apenas reflecte uma abordagem diferente devida às circusntâncias daquela que geralmente tenho nos diários gráficos.
Cate: Estes são os todo-o-terreno. Com mais tempo daria para mais detalhe, que os modelos (as Cagarras, os outros nem tanto) eram regra geral bastante cooperantes.
Fantástico.
Os desenhos e os textos.
Caro PeF: eu sofro mais do síndrome "tanto-sítio-para-visitar-e-tão-pouco-tempo". :-)
Pedro: Muito obrigado.
Fuzhong!: Sofremos todos - de ambos...
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