Tayyip foi de viagem até Marrocos. Dizem as más línguas que a viagem não estava programada. Dizem os optimistas que Tayyip não as mediu, e perante tal levantamento popular, que o melhor era jogar pelo seguro e se, como dizem os esperançosos, se existir um apoio do exército à população, pôr-se ao fresco para um país amigo.
Istambul é rápida a recuperar do abalo do fim-de-semana. Hoje de manhã a Istiklal, que na 6ª feira tinha sido literalmente forrada a cartuchos (uma foto aqui) e grafitada de alto a baixo (por novos e velhos, como se pode ver aqui) estava numa furiosa azáfama para apagar todos os vestígios da recente turbulência. Vidraças em curso de ser mudadas, limpezas furiosa de grafitos com lexívias, detergentes, ácidos e até rebarbadoras, um pouco de tudo se via. Até alguns turistas.
Junho é época forte no turismo em Istambul. Costumam ser aos milhares, acotovelando-se pelas ruas e atracções históricas da cidade. Hoje eram poucos. Isto de fazer cargas policiais durante dias a fio acaba por também fazer mossa no bolso (para além das mossas evidentes nos manifestantes, só em Istambul ascendem a quase dois mil). Encontrei-me com o Luís Simões, que está de passagem por Istambul a caminho da Rússia, e, dada a calmaria generalizada, decidimos ir desenhar a Torre de Galata— onde se tornou uma vez mais óbvia esta ausência de turistas.
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| Torre de Galata, de onde Hezarfen Ahmet Çelebi se lançou no século XVII, tornando-se no primeiro planador inter-continental |
Após o desvio por Galata, rumámos a Beşiktaş para ver o local que nas últimas duas noites tem sido o epicentro dos protestos. O número de autocarros da polícia aparcados em redor de Dolmabahçe era impressionante, dentro deles entediavam-se ou dormitavam um bom número de polícias de intervenção. Uma pessoa olha e fica a pensar: "Que será que lhes vai pela cabeça? Acham bem? Acham mal? Serão razoáveis? Serão cães raivosos? Que passará pela cabeça de quem sabe que daqui a algumas horas estará a balear concidadãos? Haverá remorsos? Ou satisfação de dever cumprido?". O número de polícias foi subindo a caminho da praça de Beşiktaş, particularmente junto ao Museu do Mar, suponho ser aqui perto o escritório do primeiro-ministro.
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| Estátua de Barbaros, em Beşiktaş— atrás desta, uma ínfima fracção da frota de autocarros e polícias que se podia encontrar no local; em plano de fundo, o lado Asiático de Istambul |
À medida que a tarde se ia finando, o número de manifestantes ia crescendo. Sobretudo moços de catorze, quinze anos. Muitas centenas. A estes iam-se juntando manifestantes adultos, junto à estátua de Barbaros (pirata para uns, almirante respeitado para outros). Junto ao estado do Beşiktaş Gimnastik Külübü um crescente número de pessoas ia ocupando as escadas frente a Dolmabahçe. Um míudo tentou grafitar um veículo blindado, e levou uns borrifos inofensivos vindos de uns orifícios nas laterais do carro. O canhão de água passou depois a seguir ominosamente o miúdo em questão, deslocando-se depois para um outro grupo de miúdos. Começaram as provocações de parte a parte. Uma e outra pedra choviam por cima do trânsito de fim-de-tarde, caindo sobre o couraçado. Este apontava o canhão directamente aos manifestantes. Depois a outros. Decidimos não ficar para ver o desenrolar da situação e retornámos a Taksim, calmíssima durante os últimos dois dias, passando por uma série de impressionantes barricadas feitas com tijolos e andaimes, e por inúmeros vendedores de máscaras anti-gás e óculos de mergulho. De tudo se faz negócio em Istambul.
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| Polícia de intervenção: Uma visão demasiado comum em Istambul |



3 comentários:
É importante saber notícias sem ser ser pelos orgãos oficiais da informação!
Seguindo atentamente, embora sem palavras, o teu relato e todos os que consigo encontrar. Obrigada por estes "posts".
Muito obrigado. É a minha versão dos acontecimentos, com as minhas limitações em perceber o que se está a passar. Espero que ajude a formar uma ideia de parte do que se vive aqui.
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