O rei de Marrocos aparece sempre endeusado, até em cima da caixa de electricidade onde trabalha o engraxador de sapatos. Vai haver eleições para o parlamento e, como campanha, deitam folhetos preciosos para o chão (tenho alguns guardados). Aparentemente, aqui a democracia semeia-se no betão.
Pergunto sempre aos jovens dos partidos se são gauche ou droite; respondem-me invariavelmente que aqui não há tal distinção. Seja como for, ao ver tanta gente jovem, tanto talento, habilidade, acrobacia que vai além da notável fluência poliglota, apercebo-me que a velha Europa pode estar no fim da linha.
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Crónica do dia: posso dizer que o deslumbramento inicial foi lavrado pelo toque com a realidade. O choque cultural é demasiado grande e pressente-se, nos vendedores, um grande interesse na moeda única que possamos carregar nos bolsos, que está de maos dadas com um desinteresse mais ou menos cortez pela cultura ocidental.
O dia foi um desfile entre a mais fina flor da arquitectura islâmica, os azulejos de alicatado e os pátios luxuriantes.
O edifício mais impressionante que vi é a Madarsa Ben Youssef, uma escola de Corão do século XIV, onde as paredes de estuque arrancavam do chão com belos azulejos e eram amparadas do céu por escultóricas peças de madeira de cedro.
Vi os quartos dos estudantes, que apesar da frescura bioclimática, pareciam desconfortáveis e pouco ergonómicos, uma espécie de Convento dos Capuchos.
Comecei a desenhar. Tento, aliás, desenhar tudo o que posso a minha volta. E divirto-me imenso, porque num lugar tão palpitante como este, a tarefa é sempre incompleta.
Mas na Madarsa comecei a tentar reproduzir os frisos escritos em gesso, que acompanham as paredes dos corredores ao nível dos olhos. Reparei que repetiam uma frase e perguntei a senhora da bilheteira o que significavam. Aparentemente, repete por toda a parte, O Poder de Alá.
2 comentários:
amigo Tomás, que beleza, texto incluído.
Esta reportagem está do camandro! Em particular o penúltimo desenho
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